A despedida ao poeta Benevides Guilherme da Rosa aos 93 anos em Itamaraju
O município de Itamaraju se despede nesta segunda-feira, dia 8 de junho de 2020, de um dos homens mais importantes da história da cidade, o poeta Benevides Guilherme da Rosa, que parte para a imortalidade aos 93 anos de idade. “Seu Benevides do INCRA” como era popularmente conhecido, foi um agrimensor, poeta cordelista de perita sabedoria, autor de vários cordéis sobre as enchentes da década de sessenta e autor de três livros memoráveis sobre a cultura e as riquezas do município de Itamaraju. Um marido amoroso, um pai espetacular e um avô carinhoso, um desbravador das terras Itamarajuenses que contribuiu com sua enorme família para o crescimento do município.
Em 2015, à Câmara Municipal de Itamaraju aprovou por unanimidade um Título de Cidadão Honorário em homenagem a Benevides Guilherme da Rosa em propositura de autoria da então vereadora Clemildes Nunes, sua nora. Embora ele fosse natural de Itamaraju, mas na época do seu nascimento em 1926, Itamaraju ainda era a Vila do Escondido e pertencia ao município de Prado, portanto, a sua certidão de nascimento lhe constava como filho do Prado, razão pela qual, o Legislativo Municipal lhe outorgou filho honorífico de Itamaraju. Para o matemático, professor e escritor titular da Cadeira nº 15 da Academia Teixeirense de Letras, o poeta Armando Azevedo, Itamaraju se despede de um grande cidadão, de um artista da maior grandeza, um dos homens que mais efetivamente contribuiu de forma direta com o município de Itamaraju em toda sua existência.
“A figura de Benevides Guilherme da Rosa representa o que de melhor Itamaraju produziu ao longo da sua história enquanto município. Ele participou diretamente do desenvolvimento urbano e rural do nosso território e ainda imortalizou esta terra da melhor forma possível, poetizando. Agora Benevides Rosa foi chamado por Deus para imortalidade para seguir a jornada sagrada da vida. Um poeta não morre, ele nem conseguiria se quisesse, ele apenas muda de lado. O céu está em festa e nós ficaremos aqui com o nosso coração cheio de saudades ao ver Benevides retornar ao criador com as suas 93 primaveras de sabedoria e amor, mas o seu legado fica e quem ganha somos todos nós e as futuras gerações” celebrou o poeta Armando Azevedo.
A vida e a obra de Benevides Guilherme da Rosa:
Em 1918, quando Itamaraju ainda se chamava Dois Irmãos, chegava o jovem casal José Guilherme da Rosa e Clementina Guilherme, que teve 12 filhos, inclusive Benevides Guilherme da Rosa, um poeta de grande importância na historiografia de Itamaraju. José Guilherme da Rosa foi o primeiro dono de uma loja comercial do pequeno lugarejo de Dois Irmãos destinada ao ramo de miudezas e molhados. A cada 90 dias aparecia no lugar, o médico Sócrates Ramos e o odontólogo João Cruz, oriundos de Caravelas, para atender os pacientes do povoamento. Certa vez o odontólogo João Cruz encomendou ao comerciante José Guilherme da Rosa que conseguisse com seus revendedores comerciais, um livro escrito em português por um médico polonês, chamado Doutor Chernoviz, porque neste livro continha vários tipos de doenças e os mecanismos de como tratá-las.
Os manuais de medicina popular do Doutor Chernoviz foram essenciais na difusão de saberes e práticas aprovados pelas instituições médicas oficiais para regiões rurais do Brasil imperial. Graças à carência de médicos nas áreas por onde se dispersava a maioria da população brasileira, esses livros foram uma presença mais evidente do que o contato com os médicos, que, em sua maioria, viviam nos principais núcleos urbanos. Assim, contribuíram para a instrução acadêmica de inúmeros praticantes leigos da medicina: senhores e senhoras de escravos, curandeiros, boticários e toda sorte de gente que os médicos tratavam por ‘charlatães’. Elaborados de modo a facilitar a leitura, os manuais de medicina popular continham a descrição das moléstias, bem como os conselhos e medicamentos que deveriam ser empregados em cada uma delas, de fácil formulação e úteis na economia doméstica.
O comerciante José Guilherme acabou adquirindo dois exemplares deste livro de autoria do médico polonês Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (Nascido em Lukow, na Polônia em 11 de setembro de 1812 – faleceu aos quase 69 anos em Paris, na França no dia 31 de agosto de 1881), um livro o comerciante entregou ao odontólogo João Cruz como prometido e o outro guardou consigo. Tratava-se do livro “Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Acessórias”, uma obra escrita para profissionais da medicina em que descrevia remédios, apresentava fórmulas medicamentosas e orientava sobre sua utilização, conforme as diferentes moléstias que acometiam os corpos saudáveis e, ao mesmo tempo, um manual de medicina popular feito para atender às demandas, no que dizia respeito à saúde, da comunidade leiga brasileira. Nesse livro, que contou com seis edições, Chernoviz empenhou-se em descrever, cuidadosamente, as diversas doenças que afetavam os seres humanos, as suas causas, os seus sintomas e os seus tratamentos.
Com o livro em mãos José Guilherme da Rosa dedicou-se a estudar todo o conteúdo da obra e encantado com o teor, José Guilherme abriu a primeira drogaria do povoado de Dois Irmãos, que se chamava “Farmácia São José”. Como dono de farmácia, passou a vender inúmeros tipos de remédios e prescrever medicamentos para os enfermos e, também, passou a tratar e realizar extração de dentes das pessoas. Quando o povoado Dois Irmãos se tornou de fato Vila do Escondido, o comerciante José Guilherme da Rosa já era chamado de doutor, porque era o grande médico e único profissional da ocasião que conseguia promover paliativos na vida dos moradores com algum tipo de enfermidade ou vitimados por acidentes.
O 7º dentre os 12 filhos do casal José Guilherme da Rosa e Clementina Guilherme, Benevides foi um dos homens mais importantes da história de Itamaraju, tanto na educação e na cultura, quanto na economia rural. Irmão da professora e escritora Olga Sales Polon, o poeta Benevides Guilherme da Rosa, nasceu na Vila do Escondido em 25 de dezembro de 1926, casou-se com a dona Odete Santos Sales, no dia 13 de agosto de 1978 e tiveram 5 filhos: o engenheiro agrônomo Benevaldo Nunes, a fonoaudiologa Betânia, o letrista e regente musical Ramon, o contabilista Willian e o analista de sistema Wesley Guilherme Nunes.
No ano de 1966, incentivado pelo então prefeito de Itamaraju, Walter Carvalho, Benevides prestou concurso público em Caravelas para agente administrativo do INCRA e passou em 1º lugar dentre os 20 aprovados e assumiu como chefe a titularidade do escritório de Itamaraju, do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, regularizando todas as propriedades rurais do município, incluindo o território de Jucuruçu, então povoado de Itamaraju, e no órgão permaneceu por 40 anos. Benevides Guilherme da Rosa, também foi pescador, lenhador, caranguejeiro, alfaiate de paletós, calças e camisas, e também foi músico, onde chegou a ser titular da Banda Lírica do Prado.
Benevides Guilherme da Rosa ainda trabalhou com o seu irmão Ulisses Guilherme, dono de uma grande loja de armarinho na Rua 5 de Outubro e foi contador por vários anos no escritório do senhor Alynômo Vieira, o primeiro contabilista por formação de Itamaraju, que inicialmente se instalou na cidade do Prado e depois abriu uma filial do seu escritório na Vila do Escondido. Outra grande paixão de Benevides era a poesia e foi talvez, o único itamarajuense da sua época que melhor soube retratar o seu tempo em poesias. Benevides publicou históricos livros sobre a vida da cidade, entre eles: “Calçamento da Baixa Fria”, “Passagem por São Paulinho” e a “Grande Enchente de Itamaraju”.
No livro “A Grande Enchente de Itamaraju” lançado pela Editora Belga, de Nanuque-MG., em 9 de dezembro de 1968, Benevides Guilherme Rosa descreve em forma de trova poética a grande enchente que Itamaraju viveu no ano de 1964. A obra conta que choveram dias e noites seguidos e no dia 9 de dezembro de 1964, pela manhã bem cedinho, começou a tal enchente vindo bem devagarinho pelo rio Jucuruçu, alagando a parte baixa sem faltar um só cantinho. A extinta rua do banheiro, no bairro Baixa Fria, as famílias foram se mudando primeiro, uns mais devagar e outros mais ligeiro.
O livro de Benevides Guilherme da Rosa conta que no primeiro dia de enchente, toda cidade baixa foi inundada, que mais parecia um castigo sem piedade, era tanta água de enormes correntezas e muita velocidade. A ponte da Várzea Alegre na BR-101 que estava em construção, boa parte da obra foi ao chão e famílias desalojadas sem lugar para se mudar, muitas foram para a Igreja e outras para os prédios escolares, quando inúmeras famílias ficaram sem morada, porque suas casas foram destruídas ou levadas, deixando centenas de pobres sem lar. Sete dias depois a enchente acabou e para o restabelecimento da cidade, o governo ajudou e o progresso teve que continuar.