Média-metragem “Quem Cuidará de Mim?” une arte e ativismo ao retratar conflitos fundiários no extremo sul da Bahia

O mês de outubro começou em Teixeira de Freitas sob o brilho intenso da sétima arte – O filme de Dermival Pires Nunes transforma a luta do povo pela terra em cinema e a dor em consciência coletiva ao expor realidades ocultas do campo. O lançamento do média-metragem “Quem Cuidará de Mim?”, obra escrita e dirigida pelo multifacetado artista teixeirense Dermival Pires, marcou não apenas o início do calendário cultural da cidade, mas também um momento de profunda reflexão sobre os rumos do território e da humanidade no extremo sul da Bahia.
Ator, diretor e artista plástico, Dermival Pires reafirma, com este trabalho, sua vocação para transformar arte em instrumento de resistência, denúncia e memória. “Quem Cuidará de Mim?” é um retrato duro e poético da luta pela terra, uma narrativa que espelha realidades ainda vivas em nossa região. O filme conta a história de uma família simples — um pequeno agricultor, sua esposa e um filho especial — que se recusa a vender suas terras para um grupo de exploradores, interessados em pedras preciosas encontradas no local. A trama, aparentemente ficcional, ganha contornos de verdade nas entrelinhas: à medida que os vizinhos vendem seus sítios e partem para a cidade grande, os que resistem enfrentam ameaças, violência e a destruição de seus bens.
A resistência dessa família é o coração da história, um símbolo do embate entre a ganância e o pertencimento, entre o lucro e a dignidade. O desfecho trágico, inevitável e comovente, provoca dor, indignação e reflexão – sentimentos que acompanham o espectador muito depois do apagar das luzes. A força do roteiro está justamente em sua capacidade de escancarar uma ferida social ainda aberta: o avanço predatório das empresas de celulose que, em nome do capital, expulsam comunidades tradicionais de suas terras e substituem a diversidade da vida pela monocultura fria do eucalipto.
Mais do que um filme, “Quem Cuidará de Mim?” é um ato de coragem cultural. É cinema com consciência e propósito, que se levanta contra o silenciamento das vozes do campo, dos quilombos e das famílias invisibilizadas pela lógica do poder econômico. O média-metragem é também um tributo à cultura local e à força dos artistas do extremo sul, reunindo nomes de Teixeira de Freitas e Porto Seguro, além de uma participação emocionante dos figurantes, quase todos moradores do povoado quilombola de Vila Juazeiro, em Ibirapuã, onde se desenrola o clímax da história.
O filme ainda contou com participações especiais de personalidades da região, entre elas o coronel da reserva, escritor e advogado Raimundo Magalhães, presidente da Academia Teixeirense de Letras, que fez o papel do grileiro Doutor Magalhães; participação especial do radialista Edvaldo Alves, no papel do lobista Ricardo, a professora e liderança quilombola Núbia Américo, do ator Ângelo Oliveira, além do próprio autor e diretor Dermival Pires, que também atua em cena como dono da mercearia do povoado.
Os atores André Simião, o “Sebastião”; Mary Martins, a “Josefa”; Igo Arifa, o “Fiim” (autista) e Tuca de Oliveira, a “Santinha” foram os protagonistas do Núcleo de Colonos. Além dos jagunços interpretados pelos atores Edvaldo Ferreira Lima e Joaldo Ribeiro. A equipe técnica teve a direção de fotografia de Rafael Morozini; direção de elenco de Raí Alves; direção de cena de Palmeirinha; direção geral de Dermival Pires; produtora Elegant Filmes. Cenários utilizados foram, a cidade de Teixeira de Freitas, Fazenda Barra Nova e povoado de Vila Juazeiro, no município de Ibirapuã. Essa integração entre artistas, intelectuais e lideranças sociais dá à produção uma dimensão ainda maior, unindo arte, política e território em um mesmo discurso poético e militante.
Com fotografia sensível, diálogos intensos e uma trilha que ecoa o pulsar da terra, “Quem Cuidará de Mim?” ultrapassa a tela: é denúncia, é arte e é memória coletiva. O média-metragem coloca o cinema do extremo sul da Bahia em um novo patamar de expressão, mostrando que é possível produzir com qualidade estética, relevância social e identidade regional – sem depender dos grandes centros ou das lógicas comerciais da indústria audiovisual.
Ao lançar sua obra, Dermival Pires entrega à comunidade uma pergunta que transcende o título do filme: quem cuidará de nós, de nossas terras, de nossas memórias e daquilo que nos torna humanos? Em tempos de pressa e superficialidade, o artista nos oferece o que há de mais urgente – um cinema que pensa, sente e transforma.
O extremo sul da bahia, com seu povo, suas dores e sua beleza, agora também se vê projetado nas telas. E, através de “Quem Cuidará de Mim?”, reafirma-se que a arte continua sendo o solo mais fértil da resistência.

