2021

ISBN 978-65-84547-14-8


O livro “Frans Krajcberg – O poeta da árvore” é uma obra biográfica em homenagem aos 100 anos de nascimento do escultor que por quase sete décadas defendeu o meio ambiente, transformando-o em inspiração intensa para suas artes plásticas. Athylla Borborema acompanhou o percurso do biografado desde 1989 e manteve uma interlocução pessoal com o artista nos seus últimos 17 anos de vida.

Frans Krajcberg – O Poeta da Árvore

O livro “Frans Krajcberg – O poeta da árvore” é uma obra biográfica de 450 páginas em homenagem aos 100 anos de nascimento do escultor Frans Krajcberg (em 2021), que representa o retrato de uma arte singular, tanto que na sua época foi considerado como um dos 10 artistas mais influentes do planeta e outorgado inúmeras vezes por países da Asia, da Europa e das Américas como o maior escultor do mundo. Esta “biografia não autorizada” do escultor Frans Krajcberg é mais do que um livro sobre a vida e obra do artista, é um tratado sobre as lutas, as derrotas e as conquistas de quem nunca se deixou abater. Nasceu na Polônia, mas nunca quis se considerar polonês. Declarava que a Polônia havia tirado tudo de mais importante da sua vida, matou toda a sua família. Um artista que nunca se deixou abater, seja pela indiferença dos governos ou pela ignorância da humanidade.

Frans Krajcberg era um brasileiro de alma, baiano por opção, novaviçosense de coração, cidadão do mundo, construiu uma trajetória singular pela sua luta em defesa da vida, foi capaz de unir arte e meio ambiente num trabalho que foi além do encantamento. Frans Krajcberg resiste os traumas da infância, combate a guerra, persiste após o holocausto que fora vítima toda sua família, tolera a vulnerabilidade ao chegar ao Brasil em 1948, abraça seu espaço em Nova Viçosa em 1972, debela o fogo, afugenta o ladrão de madeira, espanta o desmatador, cinge a floresta, enxota o falsário de obra de arte e quem mais o queria fora de combate. O escultor foi um artista em defesa do meio ambiente pela arte por transbordamento, a trajetória pessoal do artista plástico colocou-o em defesa da vida. Krajcberg só reencontra a humanidade quando já é um artista reconhecido, consagrado.

Sua luta não foi só pela arte, o que os seus olhos viram pelas suas andanças viraram palavras. Ele era rebelde por natureza, um poeta que morava numa casa no alto de uma árvore. Houve, de um lado, o conhecido e usual desinteresse do artista em tratar de sua vida, sempre priorizando a obra, e confundindo seus interlocutores. Frans Krajcberg é o retrato de um artista que lutou por quase 70 anos em defesa do meio ambiente, pela Amazônia e pela preservação da natureza através de sua arte, usou sua obra para mostrar as interferências humanas na natureza, suas destruições e consequências. Frans Krajcberg foi um artista que traduziu contribuições à questão ambiental, com talento, persistência, visão de mundo e reconhecimento comparado a Pablo Ruiz Picasso e Vincent Willem van Gogh, nunca esteve preocupado somente com o belo e o seu estilo sempre foi inovador.

Frans Krajcberg foi planetário e hoje na sua imortalidade se tornou universal, mas do ponto de vista de um educador ambiental Krajcberg foi um brasileiro dos mais importantes e essenciais da história do país. O escultor foi uma das figuras públicas da área artista mais estudada pelas escolas e universidades brasileiras, onde observações proporcionaram um contato direto com a forma de aprender e ensinar. Frans Krajcberg fez parte desta raça de homens que são raros, automarginalizados, muito individualistas, mas também muito generosos na sua solidão. A relevância de Krajcberg também se constituiu pela sua vivência e traçando questões alusivas à história de vida do artista, para ele, o homem depende de uma natureza que desconhece e, no desconhecimento, agride. Formar uma nova consciência é essencial para que as gerações futuras existam e vivam plenamente todas as potencialidades do ser humano.

Durante toda a vida, suas obras abordaram a defesa da preservação da natureza e do direito à vida. Sua arte denunciou queimadas na Amazônia, explorações de mineradoras, protegeu a ecologia, as tartarugas marinhas do litoral da Bahia e outras interferências humanas que comprometem sua própria existência. O artista elegeu a natureza não como um tema para sua obra, mas como uma razão para viver. Sua relação com a natureza estreitou-se a cada dia, pois vinha ao encontro do seu desejo de esquecer os horrores da guerra, e de viver longe dos seres humanos. Os espaços ecológicos brasileiros tiveram um grande impacto na vida do artista. Krajcberg renasceu pela natureza, que o fez desejar participar da vida com a sua sensibilidade. A biodiversidade ecológica sempre foi para Frans Krajcberg, um enorme reservatório de energia vital e de poesia visual, o teatro permanente de sua transformação.

Frans Krajcberg nasceu no dia 12 de abril de 1921 em Kozienice, uma cidade com cerca de 18 mil habitantes no Vale do Rio Vístula, ao sudeste do estado da Mazóvia, na Polônia, país do leste Europeu, distante a 94 quilômetros da capital do estado Varsóvia e unidade federativa do país com quase 2 milhões de habitantes. Seu pai era comerciante e sua mãe, militante comunista. Krajcberg tinha quatro irmãos. Ele era o terceiro de cinco filhos: dois irmãos e duas irmãs. Por ser polonês de origem judaica, teve que estudar separado dos outros alunos, por causa do exacerbado nacionalismo polonês. Descendente de família judia, viu sua mãe ser enforcada pelas forças da Alemanha Nazista durante a II Guerra Mundial. O restante da família morreu em campos de concentração.

Vivia em Częstochowa, cidade ao sul de sua terra natal, quando começou a Segunda Guerra Mundial. Aos 18 anos, Frans Krajcberg caiu prisioneiro dos alemães, mas conseguiu escapar e entrar para o lado soviético, onde virou herói de guerra como construtor de pontes. Na guerra os alemães assassinam-lhe a família e enforcam sua mãe, uma das chefes do Partido Comunista. A invasão de seu país o leva ao exército soviético e ao exército polonês na frente russa, onde aprende o ofício da carpintaria e engenharia, e colabora na edificação de pontes e obras de arte. Uma bomba o soterra e será salvo por um amigo. Perde parcialmente a memória de passagens da vida, como o rosto da mãe, a data do aniversário. Herói de guerra, recebe das mãos do revolucionário Iósif Stalin uma medalha. Tentando fugir dos horrores da guerra e dos homens, incentivado pelo pintor francês Marc Chagall, aos 27 anos Krajcberg chega ao Brasil em 1948, num navio cargueiro na companhia de uma jovem que havia pago a sua passagem e que sumiu do seu campo de visão para sempre tão logo desceram do navio. Sem conhecer ninguém, sem falar a nossa língua portuguesa e sem dinheiro. Morou no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e no Paraná.

Krajcberg escolheu o Brasil para chamar de lar. Mas não uma cidade qualquer. Queria estar perto da vida que pulsava, da natureza que considerava única. Escolheu Nova Viçosa, uma cidade litorânea da região extremo sul da Bahia, conhecida por praia dos mineiros, goianos e brasilienses, com uma das belezas naturais mais encantadoras do hemisfério sul com as suas sedutoras praias sob a restinga, manguezais e a mata nativa. Frans Krajcberg foi naturalizado brasileiro em 1957. Em 1978, elaborou com o crítico francês Pierre Restany e o pintor romeno Seep Baendereck “O Manifesto do Rio Negro”, uma crítica ao modelo de desenvolvimento implantado na Amazônia. Frans Krajcberg faleceu no dia da Proclamação da República, no Hospital Samaritano, onde estava internado, no dia 15 de novembro de 2017, na cidade do Rio de Janeiro. Suas cinzas estão depositadas no tronco da árvore que sustenta a sua Casa da Árvore no Sítio Natura em Nova Viçosa, no extremo sul da Bahia.

Durante a carreira de Frans Krajcberg, o artística participou de 206 exposições coletivas entre 1950 a 2016 em 122 cidades diferentes de 33 países do mundo, inclusive nas principais capitais do Brasil e do Reino Unido, França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Portugal, Grã-Bretanha, Suíça, Suécia, Austrália, Noruega, Polônia, Romênia, Grécia, Holanda, Tailândia, Rússia, Áustria, Tchecoslováquia, Israel, Japão, Coreia do Sul, Índia, Estados Unidos, Canadá, Cuba, Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia e Peru. O artística Frans Krajcberg promoveu 92 exposições individuais entre 1945 a 2012 em 66 cidades diferentes de 28 países do mundo.

Frans Krajcberg era um artista plástico, pintor, escultor, gravador, escritor e fotógrafo singular, cujas imagens que produziam falavam por si só, ele se definia mais como ambientalista do que como artista. Recebeu mais de dois mil prêmios das mais diversas instituições entre troféus, medalhas, títulos e outorgas de universidades, institutos, fundações, estados, nações, autarquias públicas e privadas, organismos científicos, da arte e da crítica em várias partes do planeta, entre congratulações, reconhecimentos, pesquisas, concursos, patentes, manifestos, honrarias e centenas de homenagens públicas. Frans Krajcberg foi um artista plástico brasileiro, que no Brasil, elaborou 11 manifestos nacionais e mais de 50 gritos públicos.

Cerca de 50 livros e pelo menos 32 documentários e filmes foram produzidos no Brasil e em vários outros países do mundo em sua homenagem. O Frans Krajcberg ainda publicou 14 livros da sua própria autoria “A Cidade de São Luiz do Maranhão” (1981); “Krajcberg Esmeraldo” (1986); “Natura” que homenageia Nova Viçosa (1987); “Frans Krajcberg: imagens do fogo” (1992); “Paris: Grande Halle de la Villette” (1996); “Revolta” (2000); “Frans Krajcberg: O intérprete da natureza” (2002); Paisagens Ressurgidas” (2003); “A Natureza” (2005); “Barbárie Humana” (2007), “Queimada” (2008), “O Grito! Ano Mundial da Árvore” (2011); “Frans Krajcberg Natureza Extrema” (2012) e “Outra Natureza” (2016).

Krajcberg viveu, conviveu e conheceu a natureza com a emoção do artista. A envolvente beleza do litoral de Nova Viçosa não o imobilizou em uma atitude passiva ou puramente contemplativa. Seu dia-a-dia era de trabalho duro, pesado, desprovido de facilidades, vaidades e compensações imediatas. Seu tempo era o da natureza, acordava cedo e dormia muito cedo. Em seu vocabulário, férias e cansaço são palavras que não existiam. Ao longo dos anos 70, Krajcberg realizou suas primeiras esculturas de madeira polida, que se constituíram montagens tridimensionais. Tomou como referência o material que a natureza já proporciona na forma de torções, de movimentos espiralados, de curvas, de vazios e concavidades.

O artista operava a natureza: desmontagem e remontagem. O resultado final de sua operação plástica não era uma cópia servil da natureza, nem a criação de constelações para a natureza, mas fruto de sua imaginação criadora, e que ao exercê-la em sua plenitude e com liberdade, dava nova forma àquilo que a natureza já é em essência, mas que o homem descarta. A Frans Krajcberg, sinônimo de vida, homem valente, guerreiro, humilde, simples e sensível, pelo bom encontro, por sua história de vida, homem que inspirou tantos outros artistas pelo Brasil e pelo mundo como “o poeta da árvore”, levou sua poética artística na fotografia, na tela, na madeira, para milhões e milhões de pessoas.