Discurso de posse de Athylla Borborema na Academia Teixeirense de Letras

A ATL – Academia Teixeirense de Letras, que tem o poeta Castro Alves como seu patrono-geral, foi oficialmente instalada na noite de sábado do último dia 4 de junho de 2016, no plenário Francistônio Alves Pinto da Câmara Municipal de Teixeira de Freitas. O evento empossou seus primeiros membros titulares em 32 das 40 cadeiras existentes. A cerimônia acadêmica reuniu autoridades jurídicas, políticas, educacionais e militares, além de artistas de diversos gêneros. O discurso inaugural foi do vice-presidente, escritor e jornalista Athylla Borborema Cardoso que discursou para um público de 600 pessoas em nome dos seus confrades e confreiras.
Acompanhe na íntegra o discurso de Athylla Borborema:
Este momento é, sem dúvidas, uma oportunidade singular para todos nós, para reafirmarmos o nosso compromisso com a “cultura da língua nacional” e com o apego literário de aprazível valor em favor da arte. Quis o destino que eu ocupasse, graças à generosa acolhida dos meus pares, a Cadeira nº 02 da Academia Teixeirense de Letras. A começar por seu patrono, Isael de Freitas Correia, que fora um homem de maior valor da história de Teixeira de Freitas, o qual eu tive o prazer de conhecer e tenho o encanto de desfrutar até hoje da mais saudável amizade da sua família, nesta noite gloriosa bem representada, por filhos, noras e netos.
Ao ver-me alçado a essa turma, diante de tantos grandes jornalistas, escritores e artistas das letras e das artes sentados à minha frente, toma conta de mim um orgulho que não consigo esconder, em vista que trago o jornalismo e a literatura em meu sangue. Mas, sorte minha, e a dos que aqui estão presentes, repousa essencialmente na eloquência com que sonhamos, no esforço com que edificamos a Academia Teixeirense de Letras, nosso patrimônio objeto que sirva de abrigo às nossas aventuras e maior valor à língua portuguesa. De modo que de nós sobrem apenas os atos discretos e a esperança de sermos um dia, e não muito distante, a memória que um distraído vizinho traga de volta à vida.
Mas, aqui estou para receber os desígnios da vice-presidência desta ilustre Academia Teixeirense de Letras. Uma distinção que seus ilustres membros me concedem e que tanto me honra. Uma instituição sobre a qual paira a inabalável crença de que é forçoso preservar, enriquecer a amada língua portuguesa. Para que, por meio sempre de seu intenso uso, jamais se rasque o tecido dos sentimentos brasileiros, as razões profundas do nosso ser baiano.
Como todos os ilustres confrades e confreiras, também cheguei à Academia Teixeirense de Letras trazido pelo instinto da arte. Esta arte que, cúmplice do desejo coletivo, mobiliza cada ser humano. E revestida da condição de escritor para melhor combinar a arte literária com a apologia da consciência individual e coletiva. São os reclamos humanos que concedem à literatura a proteção do saber, o arrimo da compaixão e da piedade.
Confesso acreditar na aventura humana, no direito que nos assiste de exaltar, através da narrativa, esta enigmática viagem que estreamos todos em direção ao centro de nós mesmos. Na busca permanente da residência dos nossos alentos.
Graças à palavra, contudo, costuramos os atos humanos e acreditamos na força restauradora do espírito, tão presentes, e sempre reabilitados, nesta Casa de Castro Alves. No cotidiano aliás desta Casa, fora e dentro dela, resguardaremos o mistério da arte, preservaremos o engenho da língua que os homens inventam e refazem em obediência a sua vontade. Uma cultura que não se cristaliza e desafia cada geração com o caos da riqueza e a exuberância do pensamento.
Viveremos na ATL sob o regime da memória. Uma memória que não se deixará abater pelas tentações do esquecimento, não se curvará ao comando de que é necessário apagar as lembranças inaugurais a pretexto de erigir discursos triunfalistas, impregnados de inovações transitórias. Não cederá à lenta erosão dos dias. Recordar é, para nós, o atributo da sobrevivência moral, sobretudo, em face de uma sociedade em ebulição, sob o risco de dispensar registros, emblemas, galardões civilizatórios.
Elevo agora o nome de Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Guimarães Rosa, Jorge Amado, entre tantos outros, se eu insistir todos nesta sala responderão presente. Ou se evoco a memória de Francistônio Alves Pinto, imortalizado com seu nome neste plenário, nela não reconhecemos todos a liga poderosa da nossa comunidade de espíritos. Ou se volto o meu olhar para o poeta Castro Alves, eterno patrono da ATL. Ainda não saberemos todos que entre nós está aquele que defenderá esta Academia das decomposições do tempo, guardando em si, em sua própria memória, a memória desta instituição.
Quando Machado de Assis, no seu discurso inaugural da Academia Brasileira de Letras, confessa que os moços inspiraram a fundação daquela Academia, me ouso repetir, 118 anos mais tarde, que é momento de reduzir a distância que separa os jovens das instituições que os precederam no tempo.
Afinal, a modernidade atribuída aos jovens, não sendo exclusivamente, deve rastrear sua genealogia, de onde provêm os subsídios profundos de uma nação. Convém lembrar-lhes que entre nós se abriga um patrimônio intelectual, que pertence aos teixeirenses, aos baianos e à nação brasileira.
Em homenagem ao meu pai João Neves Cardoso, falecido em 29 de novembro de 2003, presto tributo a sua memória, em respeito à genealogia da vida para iniciar a minha viagem, rumo à imortalidade. A minha trajetória nunca foi a imposição, a minha marca sempre foi a conquista. E é como homem, escritor, cidadão brasileiro que hoje, com a ajuda de Deus, dos teixeirenses amantes das causas nobres, dos membros desta festejada Academia de Letras, que libertos de preconceitos confiaram na minha persistência e na constância do mestre Almir Zarfeg pela criação desta instituição de relevância salutar, para a educação e para a cultura literária.
Às vezes “o sonho é maior do que a realidade”. E ao lado dos ilustres confrades que me deram a honra de compor a diretoria como vice-presidente. Ao aceitar a incumbência, permaneço pleno, agregado à gratidão pela confiança que em mim depositastes, na certeza de que, ao receber os vossos votos, esta primeira diretoria celebrou convosco um compromisso de trabalho, enobrecedor e honroso, mas também a exigir de todos a dedicação, o compromisso, a responsabilidade, a imaginação e empenho, marcas essenciais dos próximos dois anos de administração do confrade e do seu fundador maior Almir Zarfeg.
Coautor desta fundação, pude admirar de perto o dinamismo do pensador, revelador, eficiente executivo da área cultural e vislumbrei nele, hora presidente Almir Zarfeg, algo parecido com o dom da ubiquidade, porque esteve em todo canto no mesmo momento, coisa de poeta. Não posso dizer como um poeta, meninos, eu vi, pois não conseguiria seguir os passos de um poeta da sua envergadura, nem o conseguiria, se assim quisesse, mas fui sua alma gêmea de todas as horas e pude também acompanhá-lo pelo celular. Por sinal, o celular merece um capítulo à parte no processo de fundação da ATL.
Mas chego à ATL simplesmente para aprender. Ou devemos aprender durante toda a vida, mas devemos imaginar que a sabedoria vem com a velhice. E como sei que os próximos anos passam velozes, aproveitarei o máximo de convivência com as senhoras confreiras e senhores confrades, enquanto envelheço. Recorro a Guimarães Rosa, um bom guia quando se trata de caminhadas, para entender que, tal e qual nas caminhadas pelas veredas do grande sertão, o real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio do caminho.
No meio do caminho, já nos ensinou outro mineiro, encontra-se uma pedra. Mas as pedras rolam e, assim, os obstáculos, e juntos vamos superá-los com o apoio dos próprios confrades e confreiras por uma ATL forte e comprometida com o nosso ideal intelectual, educacional e cultural. O papel da ATL é preservar a história e construir o futuro e, como diria o poeta italiano Carlo Levi, “o futuro tem um coração antigo”.
O futuro da Academia Teixeirense de Letras de nada valerá se o coração desta Casa de Castro Alves representado pelos seus membros titulares não bater no compasso herdado dos antigos: Sady Teixeira Lisboa, Isael de Freitas Correia, Francistônio Alves Pinto, Almir Nobre de Almeida, Miguel Geraldo Farias Pires, Padre José Koopmans, dos patronos das nossas cadeiras.
É nesse ritmo, e nesse rito, na sequência dos exemplos que recebemos dos que zelaram pela história e pelo progresso desta região, que se construirá um futuro do qual as gerações sucessoras poderão se orgulhar do que fizemos, da mesma forma que hoje, no presente, nos orgulhamos do nosso passado, e foi este passado que nos conduziu até aqui e agora. A partir deste momento, com a instalação da ATL, vamos juntos partir com o coração forte, voltado para o alto, coração antigo, com amor pela língua portuguesa e fervor pela promoção da literatura, para que a ATL escreva as páginas da mais bela história da cultura do extremo sul da Bahia. (Athylla Borborema Cardoso, em 4 de junho de 2016).